A “AUTONOMIA” DO BANCO CENTRAL DO BRASIL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Keywords:
Direito Administrativo, Direito Constitucional, Política Monetária, Banco Central, Autonomia, Agências Reguladoras, ConstitucionalidadeAbstract
O presente trabalho tem por escopo a Lei Complementar nº 179/2021, que instituiu a chamada “autonomia” ou “independência” do Banco Central do Brasil (BCB), e a interação entre o regime jurídico por ela instituído com o conteúdo da Constituição Federal. Apesar de já terem sido objeto de decisão por parte do Supremo Tribunal Federal, as controvérsias jurídicas a respeito da referida lei seguem candentes no meio do direito e nas arenas política e econômica do país. Desse modo, dedicou-se, especificamente, ao exame de constitucionalidade das normas instituidoras do regime de “autonomia” do BCB. Para tanto, foi necessário a adoção do método analítico de doutrinas jurídicas, de textos normativos e da literatura econômica, essa última como substrato à interpretação do problema posto sob o prisma do Direito. O estudo é iniciado com a reconstituição dos fenômenos histórico-institucionais da moeda e do banco central, chegando-se ao paradigma científico atual a respeito desses conceitos. Em seguida, descreveu-se e organizou-se as atuais atribuições constitucionais e legais do Banco Central do Brasil em dois grupos de competência, que, apesar de distintos, estão intimamente relacionados. A interdependência dos dois grupos de competência do BCB impõe o reconhecimento de um regime jurídico-administrativo único sobre o qual ambos são desempenhados, o regime da atividade administrativa de infraestrutura econômica, que se propôs. Em aparente contrariedade com as peculiaridades dessa atividade administrativa, constatou-se que a LC nº 179/2021 transformou o BCB em uma agência reguladora. Chegou-se, enfim, à tarefa de analisar a validade da “autonomia” confiada ao banco central em relação ao conteúdo da Constituição Federal, especialmente quanto ao princípio democrático. Como substrato teórico ao juízo de constitucionalidade da lei, reconheceu-se o estado de “concretização desconstitucionalizante” a que está submetido o texto constitucional de 1988, marcado pela hipertrofiação da função simbólica da Constituição e pela deturpação dos mecanismos democráticos previstos em sua redação.
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